22 outubro 2023

Meu "Morro dos Ventos Uivantes" pessoal

Ano passado foi meu primeiro ano de aula presencial na faculdade. O primeiro ano que morei longe dos meus pais e desbravava São Paulo sozinha como sempre quis. Depois de anos sonhando com isso, eu não imaginei que minha vida seria tão cinza e tão vazia apesar de estar cercada de tanta gente o tempo todo. O que é irônico porque eu falava que queria isso o tempo todo quando era mais novo. 

Foi assim que conheci Heathcliff. No ano de 2022, (quase) pós-pandemia, no meu primeiro ano sozinha, em uma cidadezinha sempre meio chuvosa e fria — embora tenha a possibilidade de eu ter achado isso porque estava anêmica e sempre insone. A minha faculdade, coincidentemente, fica em um ponto alto da cidade, onde os ventos uivam e faz muito frio porque é cercada de árvores e relva. A neblina e as gotas de orvalho são frequentes e sempre amigáveis.

O exemplar que eu comprara no dia 24/09/2023 é antiquado, publicado em 1982 e antes pertencera a uma menina chamada Mariana, nome escrito em caneta BIC azul com a data 23/06/06 do lado do seu nome escrito em uma cursiva delicada. Editora Abril, edição de bolso, lombada dourada, tradução de Oscar Mendes, a época em que as editoras ainda deixavam as capas de cor sólida e o título e detalhes barrocos em dourado, essa em especial foi feita por Hirokazu Ishikawa. Mas como é uma edição antiga, a tinta já se desgastara e hoje mal se via o que um dia foi um trabalho excepcional. Encontrei essa preciosidade num sebo no centro de São Paulo, na República, espremido entre dois prédios históricos enormes, o sebo "Temos Livros", recheado de prateleiras de cima a baixo e com livros que datam muito antes de eu nascer. Um senhor simpático me vendeu o que agora é um dos meus livros preferidos por 10 reais. Foi amor a primeira vista. Eu estava hospedado em um hotel com, agora meu ex, namorado. Fiz o máximo de esforço em deixar o livro confortavelmente posicionado na minha pequena mala. Em uma época onde eu estava fazendo compras impulsivas para suprir um vazio inexplicável dentro de mim, adquirir esse pequeno e velho exemplar quase curou uma parte de mim, pois foi o primeiro livro que eu comprara em um sebo e havia um tempo que estava querendo ler algo das irmãs Brontë

Infelizmente, em um dia de muita chuva (não chamam São Paulo de "Cidade da Garoa" à toa, mas nesse dia foi uma puta tempestade), meu pequeno querido livrinho foi alvo certeiro de uma goteira que abriu em cima da minha escrivaninha. Por alguns instantes achei que o tinha perdido, o livro já era antigo e não sei se suportaria a grande quantidade de água que tinha caído sobre ele. Passei dias  secando-o no sol (e no secador de cabelo) e posso dizer com segurança que apesar de alguns danos permanentes eu consegui mantê-lo. 

Ele foi meu maior companheiro em um ano onde a solidão no meio acadêmico me atingiu depois de muitos anos tendo amigos na escola que com certeza levarei para minha vida inteira. Levava-o para cima e para baixo na faculdade, especialmente em dias onde eu queria matar aula e ia me esconder em alguma dos chalés de madeira da minha faculdade. Me encolhia no sofá velho e tentava o máximo que conseguia me esconder do frio e da chuva apesar das janelas quebradas e, entre uma soneca e outra, acompanhava a história trágica que se abatera sobre Thrushcross Grange e Wuthering Heights. 

Sou fã assíduo de literatura gótica. Mas O Morro dos Ventos Uivantes foi como uma canção que esteve comigo há muito tempo (além do clima da narração combinar perfeitamente com o de minha gelada universidade). 


Nenhum comentário:

Postar um comentário